IMOBILIÁRIO: Requalificação dos terrenos ardidos - como é feita em Portugal?
Todos os verões, com a chegada dos incêndios florestais, regressa um medo recorrente: a ideia de que os fogos são provocados com fins urbanísticos e que os terrenos queimados podem ser rapidamente convertidos em zonas de construção. No entanto, a realidade é bem diferente.
Em Espanha, por exemplo, o artigo 50 da Lei de Montes impede durante 30 anos qualquer mudança de uso florestal e qualquer actividade incompatível com a regeneração da vegetação. Mas e em Portugal? A legislação nacional tem especificidades próprias, que veremos à frente.
Qual a área ardida até ao momento nos incêndios em 2025?
De acordo com os dados provisórios do ICNF até 27 de agosto de 2025, Portugal registou:
* 251.131 hectares de área ardida em espaços rurais;
* 6.939 ocorrências de incêndios;
* 46% da área ardida corresponde a povoamentos florestais;
* 42% a áreas de matos;
* 11% a terrenos agrícolas.
Estes números colocam 2025 como um dos anos mais severos da última década em termos de área florestal perdida.
O meu terreno ardeu. O que posso fazer para que a sua recuperação seja fácil?
Após um incêndio, uma das maiores ameaças é a erosão do solo. Sem a protecção da vegetação, a chuva arrasta a camada fértil do terreno, rica em matéria orgânica e nutrientes. Esta erosão não só prejudica a recuperação do solo como também contamina os rios, ribeiras e as barragens próximas.
Para acelerar a regeneração e reduzir riscos, é fundamental proteger o solo antes das primeiras chuvas de Outono. A técnica mais eficaz em Portugal tem sido a cobertura com resíduos orgânicos locais, como restos de cortes de pinheiro e eucalipto ou materiais da limpeza florestal, cobrindo pelo menos 70% da área ardida. Esta camada ajuda a reter a água, estabilizar o terreno e a facilitar o crescimento da vegetação natural ou plantada.
Existe requalificação imediata de área ardida?
Em Portugal, não existe requalificação imediata de áreas ardidas para fins urbanísticos, embora exista um regime jurídico da reabilitação urbana, actualmente em vigor.
O que tem acontecido são programas municipais de requalificação de infraestruturas e projectos de recuperação florestal. Um exemplo recente é do município de Proença-a-Nova, que investiu 1,5 milhões de euros na requalificação de estradas afectadas pelos incêndios de 2023. As obras incluíram pavimentação, sinalização e limpeza de 261 quilómetros de caminhos florestais e agrícolas, financiadas pelo Fundo de Emergência Municipal.
Já em relação ao Programa de Reabilitação para Incendiários, anunciado em 2018, este continua sem aplicação prática. Apesar da formação de técnicos e da adaptação de conteúdos, o programa ainda não foi implementado nas prisões, onde actualmente se encontram 86 pessoas condenadas ou em prisão preventiva pelo crime de incêndio florestal, o número mais elevado desde 2013.
Requalificação de terrenos ardidos: existe legislação?
Em Portugal, ao contrário de Espanha, não existe uma norma nacional que imponha um bloqueio automático de 20 ou 30 anos à mudança de uso dos terrenos ardidos. A legislação portuguesa assenta mais em orientações e regulamentos locais:
* Proibição genérica: não há uma lei nacional que impeça permanentemente a reconversão de terrenos queimados. Existem, no entanto, petições públicas em discussão para criar este bloqueio;
* Directrizes pós-incêndio (RCM 1/2018): o Governo definiu algumas linhas para reorganizar o espaço nas áreas queimadas, promovendo novos modelos de silvicultura, reabilitação urbana e criação de espaços públicos;
* Silvicultura integrada: incentiva-se a gestão sustentável do território e a recuperação ecológica, mas não há um quadro legal que impeça, a longo prazo, a requalificação de terrenos ardidos.
Paralelamente, a Liga dos Bombeiros Portugueses (LBP) anunciou que vai pedir audiências ao Governo e à Assembleia da República para propor a criação de uma unidade de missão dedicada à revisão da legislação do sector e para assegurar a participação dos bombeiros nas comissões parlamentares sobre fogos florestais.
O presidente da LBP, António Nunes, destacou, após reunião com o Presidente da República, que os bombeiros querem ver alterada a lei orgânica da Autoridade Nacional de Emergência e Protecção Civil, a criação de um comando nacional específico, bem como a definição de carreira e estatuto remuneratório para os bombeiros com contrato de trabalho.
A legislação sobre terrenos ardidos foi realmente alterada?
Em Portugal, a legislação sobre terrenos ardidos sofreu uma mudança significativa com a revogação do Decreto-Lei n.º 327/90, de 22 de outubro de 1990, que tinha sido aprovado pelo Governo de Aníbal Cavaco Silva e estabelecia a proibição de alterações no uso do solo em áreas afectadas por incêndios florestais durante 10 anos.
O decreto-lei surgiu no contexto de grandes incêndios na década de 1980, incluindo o trágico incêndio de Águeda em 1986, e tinha como objectivo impedir que terrenos queimados fossem imediatamente reconvertidos para fins urbanísticos, agrícolas ou industriais, protegendo assim o património florestal e evitando a especulação imobiliária. Além disso, definia obrigações de cadastro e monitorização das áreas ardidas pelas câmaras municipais e pelo Serviço Nacional de Bombeiros.
No entanto, em 2021, o Decreto-Lei n.º 82/2021, do Governo de António Costa que instituiu o Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais (SGIFR), revogou explicitamente o DL 327/90, alterando profundamente o regime de requalificação dos terrenos ardidos.
Para que serve o Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais?
O SGIFR estabelece mecanismos de avaliação da necessidade de recuperação das áreas ardidas e atribui responsabilidades a municípios, ICNF e APA, mas não impõe qualquer proibição de construção ou alteração do uso do solo em terrenos afectados por incêndios, limitando-se a condicionamentos em áreas prioritárias de prevenção e segurança.
Assim, a proteção automática de 10 anos deixada pelo DL 327/90 deixou de existir, e a recuperação das áreas ardidas passou a depender de planos de ação municipais e contratos-programa com associações e proprietários florestais.
O que pode ser feito no futuro sobre a requalificação dos terrenos ardidos?
Portugal vive em 2025 um dos anos mais trágicos em termos de área florestal perdida para os incêndios. Apesar da dimensão da tragédia, continua a não existir um bloqueio automático à requalificação urbanística dos terrenos ardidos. Face a esta lacuna, encontra-se em discussão uma petição pública que propõe a criação de um regime robusto de protecção, assente em várias medidas estruturais:
* Proibição de venda, urbanização ou construção em terrenos ardidos durante, no mínimo, 20 anos após o incêndio;
* Interdição da comercialização da madeira queimada, evitando que o fogo se torne uma oportunidade económica;
* Reflorestação obrigatória com espécies autóctones (carvalho, sobreiro, castanheiro, entre outras), proibindo monoculturas de risco elevado (como eucalipto e pinheiro bravo) durante 30 anos;
* Limpeza e manutenção obrigatória dos terrenos, com possibilidade de intervenção directa do Estado em caso de incumprimento, a serem cobrados posteriormente custos ao proprietário;
* Estas acções de limpeza e prevenção poderiam envolver reclusos do sistema prisional, assegurando formação, redução de custos públicos e oportunidades de reinserção social;
* Criação de um Fundo Nacional de Recuperação Florestal, financiado pelo Estado e pela recolha da madeira queimada para fins não comerciais (reciclagem ou biomassa), revertendo para prevenção e recuperação das áreas afectadas;
* Reforço das penas para fogo posto e negligência grave, tratando-os como crimes contra o ambiente e contra a segurança nacional;
* Proibição de alteração do uso do solo, impedindo a reconversão para agricultura intensiva, parques solares ou outros usos económicos durante pelo menos 20 anos;
* Classificação automática das áreas ardidas como zonas de protecção ambiental especial, sujeitas a monitorização, vigilância reforçada e programas de recuperação ecológica.
Mais do que punir, o objectivo destas iniciativas é garantir que os terrenos ardidos recuperam de forma sustentável, protegendo o ecossistema e prevenindo futuras catástrofes.
Contactos: +351 913 335 560 / nuno.garrido@casaviva.pt / @nuno_miguelgarrido
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